sábado, 11 de julho de 2015

Respondendo ao problema do mal

Respondendo ao Problema do Mal

R. C. Sproul27 de Março de 2014 - Ética
O Dr. John Gerstner, meu estimado mentor, certamente levava jeito para ganhar a minha atenção e me ajudar a pensar de forma mais clara. Eu ainda me lembro quando disse a ele que eu pensava que o problema do mal era irresolúvel. Tendo notado que os melhores apologetas e teólogos na história da igreja não responderam todas as questões levantadas pela existência do mal neste mundo, eu disse a ele que ninguém jamais resolveria o problema deste lado da eternidade. Ele se virou e me repreendeu: “Como você sabe que o problema do mal nunca será resolvido”, ele perguntou. “Talvez você ou outro pensador seja aquele que Deus apontou para resolver essa questão”.
Com o devido respeito ao Dr. Gerstner, eu acho que ele superestimava os seus alunos. Eu não mudei a minha opinião sobre o problema do mal desde aquela conversa. Nos muitos anos em que ensinei filosofia, apologética e teologia, e nas muitas conversas que tive com pessoas feridas, uma resposta completa para o problema do mal permanece evasiva. Quando muito, eventos recentes fazem o problema parecer mais crítico. Só no ano de 2012, lidamos com um ataque terrorista na Maratona de Boston e com o atirador da Sandy Hook Elementary School em Connecticut. O Furacão Sandy matou quase 300 pessoas no nordeste dos Estados Unidos. Poderíamos também mencionar as centenas de milhares de pessoas que morreram nos tsunamis em 2004 e 2011. A lista é quase infinita.
Colocar um rosto humano no mal pode torná-lo mais inteligível — não é surpresa que pessoas más façam coisas más. A violência da natureza pode ser ainda mais perturbadora. Como lidamos com desastres naturais que não respeitam pessoas, mas de forma indiscriminada tiram vidas de idosos, bebês e deficientes, além de crianças e adultos? “Como”, muitas pessoas — até cristãos — perguntam, “pode um Deus bom permitir que tais coisas aconteçam?”.
Não há falta de especulação na tentativa de responder a essas questões. Indivíduos bem intencionados sugeriram incontáveis teodicéias — tentativas de justificar e vindicar Deus devido à presença do mal no mundo. Em seu livro publicado no século XVIII, Theodicy, o filósofo Gottfried Leibniz tentou explicar o mal sugerindo que nós vivemos no “melhor de todos os mundos possíveis”. Outros pensadores disseram que o mal é necessário para nos tornar pessoas virtuosas ou para preservar a realidade do livre arbítrio. Tais respostas falham em satisfazer o problema do mal, e normalmente sacrificam a soberania de Deus no processo.
Não penso que Deus nos revelou uma resposta plena e definitiva para o problema do mal e do sofrimento. Contudo, isso não significa que ele tem estado em silêncio sobre a questão. A Escritura nos dá sim algumas diretrizes úteis:
Primeiro, o mal não é uma ilusão — ele é muito real. Algumas religiões ensinam que o mal é irreal, mas a Bíblia nunca minimiza a verdade da miséria e da dor. Além do mais, os personagens bíblicos nos mostram que uma indiferença estoica ao mal não é a resposta correta. Eles rasgam suas vestes, oferecem lamentações a Deus, choram lágrimas reais. Nosso Salvador caminhou a Via Dolorosacomo o Homem de Dores que conheceu nosso sofrimento.
Segundo, Deus não é caprichoso ou arbitrário. Ele não age irracionalmente, nem demonstra ou permite violência sem propósito. Isso não significa que sempre sabemos o motivo de um mal em particular ocorrer em determinado lugar ou momento. Por não sabermos todas as razões por trás de cada mal em específico, não podemos fazer fáceis conexões entre a culpa e o desastre, entre o pecado de uma pessoa e o mal que recai sobre ela. Textos que incluem o livro de Jó e João 9 nos impedem de declarar universalmente que a dor é uma punição por pecados específicos. Isso significa que quando desastres inexplicáveis ocorrem, devemos dizer com Martinho Lutero: “Que Deus seja Deus”. O clamor de Jó “o SENHOR o deu e o SENHOR o tomou; bendito seja o nome do SENHOR!” (Jó 1.21) não foi uma demonstração superficial de piedade ou negação da dor. Pelo contrário, Jó mordeu seus lábios e cerrou seu estômago enquanto se manteve fiel diante da tragédia e do sofrimento absoluto. Jó sabia quem Deus era, e se recusou a amaldiçoá-lo.
Terceiro, este não é o melhor de todos os mundos possíveis. Este mundo é caído. O sofrimento só está aqui porque o pecado desfigurou uma criação que, do contrário, seria boa. É claro que isso não significa que todo o sofrimento esteja ligado a um pecado específico ou que possamos fazer uma correlação, par a par, entre o nível do pecado de uma pessoa e o grau do seu sofrimento. Contudo, o sofrimento pertence à esfera mais abrangente do pecado que as pessoas encontram aqui nesta terra. Enquanto a criação sofre com a violência da humanidade, ela devolve essa violência. A Bíblia nos diz que a criação se enfurece com seus mestres e exploradores humanos. Em vez de administrar a terra sabiamente e povoá-la, nós a exploramos e a poluímos. Até que Cristo retorne com os novos céus e a nova terra, lidaremos com tempestades, terremotos e enchentes. Até lá, ansiaremos por uma criação renovada.
Por fim, o mal não é definitivo. O cristianismo nunca nega o horror do mal, mas também não o considera como tendo qualquer poder maior ou igual ao de Deus. A palavra final da Escritura sobre o mal é triunfo. A criação geme enquanto aguarda por sua redenção final, mas esse gemido não é em vão. Sobre toda a criação está o Cristo ressurreto —Christus Victor — que triunfou sobre os poderes do mal e fará novas todas as coisas.
Tradução: Alan Cristie

Os evangélicos e a Revolução Moral Gay

Os Evangélicos e a Revolução Moral Gay

Albert Mohler Jr.05 de Setembro de 2011 - Ética
A igreja cristã tem enfrentado muitos desafios na sua história de 2000 anos. Mas agora está enfrentando um desafio que  sacode seus alicerces: o homossexualismo.
Para muitos observadores, isso parece estranho e até mesmo trágico. Por que os cristãos não podem simplesmente unir-se à revolução?
E não se enganem, é uma revolução moral. Como o filósofo Kwame Anthony Appiah da Universidade de Princeton demonstrou em seu recente livro, "The Honor Code" (O Código de Honra), as revoluções morais geralmente permanecem por longos períodos. Mas isso é difícil de acontecer com o que temos testemunhado na questão do homossexualismo.
Em menos de uma simples geração, o homossexualismo passou de uma coisa que era quase universalmente entendida como pecado, para outra  que está sendo declarada equivalente à moral da heterossexualidade — e merece tanto a proteção legal quanto o encorajamento público. Theo Hobson, um teólogo britânico, argumenta que isto não é exatamente o enfraquecimento de um tabu. Pelo contrário, é uma inversão moral que acusa aqueles que defendem a antiga moralidade de nada menos que "deficiência moral".
As igrejas e denominações liberais facilmente escaparam dessa situação desagradável. Simplesmente se acomodaram à nova realidade moral. Agora o padrão está estabelecido. Essas igrejas discutem o assunto com os conservadores argumentando que mantêm a antiga moral e os liberais defendendo que a igreja deve se adaptar ao que é novo. Finalmente, os liberais ganharam e os conservadores perderam. A seguir, a denominação consagra abertamente os candidatos gays ou decide abençoar as uniões entre pessoas do mesmo sexo.
Esse é um caminho pelo qual os cristãos evangélicos comprometidos com toda a autoridade da Bíblia não podem tomar. Uma vez que cremos que a Bíblia é a palavra de Deus revelada, não podemos nos acomodar com essa nova moralidade. Não podemos fazer de conta que não sabemos o que a Bíblia ensina explicitamente, que todos os atos homossexuais constituem pecado, o que acontece em todo o comportamento sexual humano fora da aliança do casamento. Cremos que Deus revelou um padrão para a sexualidade humana que além de apontar para o caminho da santidade, também indica a verdadeira felicidade.
Portanto não podemos aceitar os sedutores argumentos que as igrejas liberais adotaram tão rapidamente. O fato de que o casamento entre pessoas do mesmo sexo agora é uma realidade legal em diversos estados significa que devemos futuramente estipular que seguimos as Escrituras para definir o casamento como a união de um homem e uma mulher — e nada mais.
Fazemos isso sabedores de que antes, em nossa sociedade, muitos  partilhavam das mesmas pressuposições morais, mas agora um novo mundo está surgindo rapidamente. Não precisamos ler  as pesquisas e as avaliações, tudo o que temos de fazer é conversar com os nossos vizinhos ou assistir a entrevistas culturais.
Nesta situação cultural muito desagradável, os evangélicos devem se declarar dolorosamente explícitos de que não falamos sobre o pecado da homossexualidade como se nós não tivéssemos pecado. Na verdade, é exatamente porque nos reconhecemos pecadores e sabemos da necessidade de um salvador é que viemos a crer em Jesus Cristo. Nosso maior temor não é que a homossexualidade seja normatizada e aceita, mas que os homossexuais não reconheçam sua própria necessidade de Cristo e do perdão dos seus pecados.
Esta não é uma preocupação que seja facilmente expressa aos poucos. É no que verdadeiramente acreditamos.
Ficou abundantemente esclarecido que os evangélicos falharam de tantas maneiras na solução deste desafio. Temos com freqüência falado sobre a homossexualidade de maneira crua e simplista. Falhamos em reconhecer que a sexualidade define claramente que somos seres humanos. Falhamos em reconhecer o desafio da homossexualidade como questão evangélica. Somos aqueles, afinal, que supomos saber que o Evangelho de Jesus Cristo é o único remédio para o pecado, a começar do nosso próprio.
Minha esperança é que os evangélicos estejam agora prontos para assumir este desafio de uma maneira nova e significativa. Realmente não temos escolha, pois estamos falando de nossos próprios irmãos e irmãs, nossos próprios amigos e vizinhos, ou talvez os jovens nos bancos ao lado.
Não podemos escapar do fato de que estamos vivendo no meio de uma revolução moral. Entretanto, não é apenas o mundo que nos rodeia que está sendo testado, mas também a igreja cristã. Precisamos descobrir quanto cremos no Evangelho que tão impetuosamente pregamos.
Traduzido por: Yolanda Mirdsa Krievin
Do original em inglês: Evangelicals and the Gay moral Revolution. Publicado originalmente no site: www.albertmohler.com

Como começar um discipulado com mulheres

Reflexões Sobre Discipulado de Mulheres

Jani Ortlund06 de Julho de 2015 - Crescimento
Muitas de nós têm fome de relacionamentos cristãos significativos. Frequentamos a igreja em busca de amizade e comunidade, mas, com frequência, saímos desapontadas.
Ser parte do corpo de Cristo significa crescer numa comunhão mais profunda do que podemos obter numa manhã de domingo. E Jesus nos diz, por suas palavras e exemplo, como alcançar isso. Jesus disse: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século” (Mateus 28.19-20).
Uma grande linhagem de discípulos
Jesus deseja que você seja parte de uma grande linhagem de discípulos seus. Ele ordena isso como um modo de vida, de maneira que a plenitude de sua vida em Cristo seja transmitida a outras, as quais, por sua vez, podem transmiti-la a outras até “a consumação do século”.
Pense em sua vida daqui a trinta anos. Quão velha você será? Eu terei 92 anos. As minhas duas avós viveram bem até os seus noventa e poucos, e minha mãe está celebrando seus noventa este ano. É bem possível que eu tenha mais trinta felizes anos de serviço a Cristo diante de mim! Ainda assim, eu não quero ser o final da linhagem. Eu quero deixar para trás uma trilha de mulheres que amem a Cristo de todo o seu coração.
O Salmo 78.1-7 desafia uma geração a anunciar “à vindoura geração os louvores do SENHOR, e o seu poder, e as maravilhas que fez”. Desse modo, nós trazemos Cristo também às gerações distantes, “a fim de que a nova geração [o conheça], filhos que ainda hão de nascer se [levantem] e por sua vez os [refiram] aos seus descendentes; para que [ponham] em Deus a sua confiança”.
Essa é uma mordomia geracional que nos foi dada por Deus. Ao discipularmos mulheres, os seus filhos e netos e bisnetos permanecem recebendo as bênçãos do nosso esforço. As nossas vidas importam e importarão por muito tempo. Uma geleira parece significar pouca coisa no momento, mas ela deixa para trás um Grand Canyon. Esteja pronta a ser parte de uma geleira. Nós desejamos deixar para trás gerações de mulheres que “põem em Deus a sua confiança”.
Como começar
O primeiro passo no discipulado é ser você mesma uma discípula. “Discipular” é um verbo que vem de um substantivo. Você é, antes de tudo, uma discípula de Jesus. Discipulado envolve mais “seja como eu sou” do que “faça o que eu digo”. Quem você é causará impacto.
Eu sou profundamente devedora a duas mulheres que fizeram um alto investimento em mim. Muito do que tenho transmitido às mulheres hoje é o que aprendi delas. Em que mulher você vê vitalidade espiritual e a beleza radiante de Jesus Cristo abundando nos mais diferentes aspectos de sua vida? Quem você deseja imitar (1 Coríntios 11.1; Filipenses 3.17)? Convide-a para um chá e conte-lhe o desejo do seu coração. Veja se ela está disposta. A primeira mulher a quem pedi disse-me que simplesmente não podia fazer aquilo. Tudo bem com isso – continue tentando. Discipulado envolve assumir riscos relacionais.
Quem você é em Cristo? Se você deseja crescer mais profundamente nele, isso é perfeito! Leve outras consigo. Se você se sente fraca e necessitada, é aí que o poder de Deus se aperfeiçoa. Mesmo nas suas fraquezas você pode ajudar outras mulheres a aprenderem o que significa confiar em Deus nas próprias fraquezas delas.
Você conhece Jesus? Você o ama? Ele é digno de que você lhe entregue toda a sua vida? Alguém precisa ouvir isso, estar próximo a isso, ver você abraçar isso. Alguém precisa ver de perto como você vive essas convicções na prática e, para isso, é preciso mais do que uma manhã de domingo.
Discipulado não é sobre cristãos profissionais transmitindo suas melhores práticas a cristãos amadores. Ser uma discípula e aprender a discipular outras significa olhar para Jesus com tal intensidade e deleite que você, de fato, começa a refletir a beleza de Cristo na vida diária. Enquanto você cresce na graça, Jesus se torna mais precioso, mais satisfatório, mais empolgante do que tudo o mais. E, enquanto você contempla a Cristo, outras desejarão juntar-se a você e vocês podem começar a olhar para ele juntas. A maneira mais importante de discipular outras é desfrutando você mesma de Cristo de um modo tão irresistível que o seu desfrute se torne contagiante.
Convidando outros para o caminho da vida
Todo indivíduo está seguindo um caminho para um de dois lugares – vida ou morte.
“Na vereda da justiça, está a vida, e no caminho da sua carreira não há morte.” (Provérbios 12.28) 
“Há caminho que ao homem parece direito, mas ao cabo dá em caminhos de morte.” (Provérbios 14.12; cf. 16.25)
No discipulado, nós convidamos outras a caminharem conosco pelo caminho da vida. Devemos desafiá-las e exortá-las ao longo do caminho? Sim, mas como companheiras de peregrinação, não como alguém que já cruzou a linha de chegada (Filipenses 3.14-15). Devemos ajudá-las a reconhecer, admirar, estimar, responder e desfrutar de Cristo, cujo jugo é suave e cujo fardo é leve (Mateus 11.30).
Ame aqueles que você está discipulando como Jesus ama você (Romanos 15.7). Lembre-se: não é a nossa missão mostrar às outras quão pecadoras elas são, mas quão belo é Jesus! Então, deem-se as mãos enquanto caminham juntas em sua comum necessidade de Jesus.
O discipulado nem sempre precisa ser estruturado. Algumas pessoas não funcionam dessa maneira. Mas você também descobrirá ser útil construir sistemas de intimidade e prestação de contas. Aqui estão algumas sugestões dos meus próprios grupos de discipulado.
  • Nós nos comprometemos em nos encontrar por um período específico e com uma frequência específica.
  • Nós temos momentos para compartilhar nossa “bolsa da biografia”, cheia de símbolos significativos da nossa vida até aqui.
  • Nós dedicamos tempo para adorar a Deus juntas.
  • Nós estudamos diferentes passagens bíblicas.
  • Nós compartilhamos pedidos de oração e oramos umas pelas outras, mantendo os pedidos confidenciais.
  • Nós aprendemos um cântico ou hino e o cantamos juntas.
  • Nós lemos e discutimos um livro.
  • Nós memorizamos passagens da Escritura.
  • Nós servimos juntas.
  • Nós tentamos conhecer as famílias umas das outras.
Obviamente, isso toma tempo. Essas dicas servirão para você? Use-as como se fossem suas.
Nossa sagrada confiança
Precisamos cultivar em nossa esfera de influência – nossos lares, igrejas, bairros, locais de trabalho – filhas espirituais que, por sua vez, possam levar adiante a Verdade. As mulheres mais jovens entre nós são o tesouro sagrado confiado a nós pelos nosso Pai celeste. Fazer discípulos não é apenas uma ideia interessante inventada por alguém – e um mandato bíblico.
Nesse belo relacionamento de discipulado, todo mundo ganha. Pense naquilo que ganhamos – uma nova amiga, uma guerreira de oração, uma nova perspectiva da vida, um entendimento mais profundo de uma geração diferente. Quando nos doamos, somos preenchidas, abençoadas, encorajadas, amadas. Deus não é bondoso ao recompensar a obediência com tamanhas alegrias?
Tradução: Vinícius Silva Pimentel
Revisão: Vinícius Musselman Pimentel

Porque todos pecaram?


Romanos 3.23-26

(23) Porque todos pecaram e foram privados da glória de Deus; (24) sendo justificados gratuitamente por sua graça mediante a redenção que está em Cristo Jesus; (25) a quem Deus apresentou como propiciação, por meio de seu sangue, para manifestar sua justiça, visto ter deixado impunes os pecados anteriormente cometidos, de conformidade com sua tolerância; (26) pois tendo em vista, digo eu, a manifestação de sua justiça no tempo presente, para ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus
23. Porque não há distinção: Todos pecaram e privados estão da glória de Deus. Paulo insiste em que todos, sem distinção, carecem de buscar justiça em Cristo, como se dissesse: “Não há outro caminho para a obtenção desta justiça. Não há um método para justificar alguns, e outro método diferenciado para justificar outros, senão que todos igualmente têm de ser justificados por meio da fé, já que todos são pecadores, e ninguém tem como justificar-se diante de Deus.” Ele tem por certo que todo mundo que se aproxima do tribunal divino se conscientiza plenamente de ser pecador, e se sente aniquilado e perdido sob o senso de sua própria culpa. E assim faz-se evidente que nenhum pecador pode suportar a presença de Deus, como se pode ver no exemplo de Adão [Gn 3.8].
O apóstolo ataca novamente com um argumento extraído do oposto; por esta razão é bom notarmos seu raciocínio. Visto que todos os homens são pecadores, daí o apóstolo inferir que todos são deficientes ou desprovidos de todo e qualquer louvor da justiça. Portanto, à luz de seu ensino, não existe justiça senão aquela que é perfeita e absoluta. Se porventura existisse aquilo a que chamam de meia-justiça, então não haveria qualquer necessidade de privar o homem, completamente, de toda e qualquer glória por ser ele um pecador. Por isso, a ficção criada por alguns de uma justiça parcial é suficientemente refutada. Se porventura tivesse base o conceito de que somos parcialmente justificados pelas obras e parcialmente pela graça de Deus, então este argumento de Paulo, de que todos se acham privados da glória de Deus por serem pecadores, careceria de qualquer força. Portanto, o certo é que não há justiça onde o pecado se faz presente, até que Cristo elimine a maldição. É precisamente isso o que Paulo está a declarar em Gálatas 3.10, a saber: que todos quantos se acham debaixo da lei estão expostos à maldição, e que somos libertados dela somente através da munificência de Cristo. A glória de Deus significa a glória que está na presença de Deus, como em João 12.43, onde nos diz nosso Senhor que amaram mais a glória dos homens do que a glória de Deus. Assim o apóstolo nos arrebata do aplauso dos palcos humanos e nos coloca diante do tribunal celestial.
24. Sendo justificados gratuitamente por sua graça. O particípio do verbo é usado aqui de acordo com o costume grego. Eis o significado: visto que não é deixado ao homem, intrinsecamente, senão o fato de que ele perece acossado pelo justo juízo de Deus, por isso é que todos são justificados gratuitamente pela misericórdia divina. Pois Cristo vem em socorro das misérias humanas e se comunica com os crentes, de modo que tão-somente encontrem nele todas as coisas de que carecem. É provável que não haja na Escritura nenhuma outra passagem que ilustre de forma tão extraordinária a eficácia desta justiça, pois demonstra que a misericórdia divina é a causa eficiente; Cristo e seu sangue, a causa material; a fé, concebida pela Palavra [Rm 10.17], a causa instrumental; e a glória, tanto da justiça divina quanto da munificência divina, a causa final.
Com respeito à causa eficiente, o apóstolo diz que somos justificados gratuitamente, e que somos justificados – o que reforça ainda mais – por sua graça. Assim, ele usou duas vezes a expressão para que se saiba que tudo vem de Deus, e nada de nós mesmos. Teria sido suficiente confrontar graça mérito; porém, para impedir que entretivéssemos a idéia de uma justiça truncada, ele firmou ainda mais nitidamente seu significado por meio de repetição, e assim reivindicou para a misericórdia de Deus, exclusivamente, todo o efeito de nossa justiça, a qual os sofistas dividem em duas partes e mutilam, com o fim de não se sentirem constrangidos a admitir sua própria pobreza.
Mediante a redenção que está em Cristo Jesus. Esta é a causa material, a saber: o fato de que Cristo, mediante sua obediência, satisfez o juízo do Pai; e ao tomar sobre si nossa causa, livrou-nos da tirania da morte, por meio da qual fomos mantidos em cativeiro. Nossa culpa é cancelada pelo sacrifício expiatório por ele oferecido. Aqui, novamente, a ficção daqueles que fazem da justiça uma qualidade [humana] recebe sua melhor refutação. Se somos considerados justos diante de Deus em razão de sermos redimidos mediante um preço, certamente recebemos de outra fonte o que não possuímos. O apóstolo, logo a seguir, explica mais claramente o valor e objetivo desta redenção, ou, seja: ela nos reconcilia com Deus, pois ele chama Cristo de propiciação ou (prefiro usar a alusão a uma figura mais antiga) propiciatório. O que ele pretende é que somos justos somente até onde Cristo reconcilia o Pai conosco. Mas devemos agora examinar o que ele diz.
25. A quem Deus apresentou como propiciação. O verbo grego, προτίθεναι, às vezes significa predeterminar e às vezes apresentar. Se porventura preferirmos o primeiro significado, então Paulo está a referir-se à graciosa misericórdia de Deus em haver designado Cristo como nosso Mediador a fim de reconciliar o Pai conosco por meio do sacrifício de sua morte. Não é um encômio comum da graça de Deus o fato de que, de seu próprio beneplácito, ele encontrou uma forma pela qual pudesse remover nossa maldição. Na verdade, tudo indica que a presente passagem concorda com aquela que se acha em João 3.16: “Deus amou o mundo de tal maneira, que deu seu Filho unigênito.” Entretanto, se adotarmos o segundo significado, o sentido será o mesmo, a saber: que, a seu próprio tempo, Deus o apresentou, a quem designou Mediador. Há, creio eu, na palavra ἱλαστήριον, como já disse, uma alusão ao antigo propiciatório, pois o apóstolo nos informa que em Cristo foi exibido em realidade, aquilo que, para os judeus, foi dado figuradamente. Entretanto, visto que o outro ponto de vista não pode ser descartado, caso o leitor prefira aceitar o sentido mais simples, então deixarei a questão em aberto. O significado específico do apóstolo, aqui, se faz ainda mais evidente se atentarmos para o que ele diz, ou, seja: que Deus, à parte de Cristo, está sempre irado conosco, e que somos reconciliados com ele quando somos aceitos por meio de sua justiça. Deus não nos odeia na qualidade de feituras suas, ou, seja, pelo fato de nos ter criado como seres viventes, mas o que ele odeia em nós é a impureza, a qual extinguiu a luz de sua imagem. Quando esta [impureza] é removida, então ele nos ama e nos abraça como feituras suas, próprias e puras.
Como propiciação pela fé em seu sangue. Prefiro esta retenção literal da linguagem de Paulo, visto que, segundo meu modo de pensar, sua intenção era usar uma única idéia ao declarar que se reconcilia conosco tão logo pomos nossa confiança no sangue de Cristo. Porque é pela fé que tomamos posse deste benefício. Ao mencionar somente o sangue, ele não pretendia excluir as outras partes da redenção; ao contrário, pretendia incluir tudo numa única palavra, e fez menção do sangue porque é nele que somos lavados. E assim toda a nossa expiação é compreendida no ato de se tomar a parte pelo todo. Havendo uma vez afirmado que Deus nos reconciliou em Cristo, ele agora adiciona que esta reconciliação é processada através da fé, ao mesmo tempo que, olhar para Cristo, constitui o principal objetivo de nossa fé.
Visto ter deixado impunes os pecados anteriormente cometidos. A preposição causal [visto que] é equivalente a por causa da remissão ou com o fim de apagar nossos pecados. Esta definição ou explicação confirma novamente o que tenho reiteradamente aludido, ou, seja: que os homens são justificados não pelo que são na realidade, mas por imputação. Somente ele usa várias formas de expressão com o propósito de fazer mais evidente que não há mérito algum inerente em nós concernente a esta justiça. Se a obtemos pela remissão dos pecados, concluímos que ela se acha além de nós mesmos; e mais: se a remissão em si é um ato exclusivo da liberalidade divina, então todo mérito cai por terra.
Pode-se, contudo, perguntar por que o apóstolo restringe o perdão aos pecados passados. Embora esta passagem seja explicada de várias formas, penso ser provável que o apóstolo estivesse pensando nas expiações legais, as quais eram na verdade evidências da satisfação futura, mas que não possuíam os meios de aplacar a Deus. Em Hebreus 9.15, temos uma passagem similar, na qual se declara que a redenção das transgressões que restavam sob o antigo pacto foi produzida por Cristo. Entretanto, não temos que entender que só as transgressões daqueles tempos foram expiadas pela morte de Cristo. Esta é uma idéia completamente sem sentido, a qual alguns extremistas têm extraído de uma visão distorcida desta passagem. Paulo ensina simplesmente que, até a morte de Cristo, não fora pago nenhum preço para satisfazer a Deus, e que isso não fora realizado nem consumado pelos tipos legais – por isso a verdade fora adiada até que chegasse a plenitude dos tempos. Podemos dizer mais, que aquelas coisas que nos envolvem em culpa têm de ser consideradas pelo mesmo prisma, porquanto só há uma única propiciação para todos.
A fim de evitar inconsistência, alguns eruditos têm mantido que os pecados anteriores são perdoados, com o fim de não parecer que se dava permissão para pecar-se no futuro. Sem dúvida que é verdade que nenhum perdão é oferecido exceto para os pecados já cometidos, não porque o valor da redenção se extinga ou se perca, caso pequemos no futuro – segundo o conceito de Novato e seus sequazes –, mas porque a dispensação do evangelho consiste em pôr o pecador diante do juízo e da ira de Deus, e em pôr a misericórdia divina diante do pecador. Contudo, o verdadeiro sentido está no que já havia explicado.
A frase adicional, de que esta remissão teve por base a longanimidade de Deus, significa simplesmente bondade. Esta serviu para restringir o juízo divino, e o impediu de inflamar-se para nossa destruição, até que fôssemos finalmente recebidos em seu favor. Não obstante, para não parecer que esta idéia foi posta aqui à guisa de antecipação com o fim de evitar-se a objeção de que esta graça surgiu somente em última instância, Paulo nos instrui que isso constitui uma evidência da longanimidade [divina].
26. Tendo em vista a manifestação de sua justiça. A reiteração desta cláusula é enfática e revela a intenção deliberada do apóstolo, visto que a mesma era muito necessária. Não há dificuldade maior do que persuadir alguém a privar-se de toda honra e atribuí-la a Deus; mesmo assim, o apóstolo intencionalmente menciona esta nova demonstração da justiça divina, visando a que os judeus abrissem seus olhos para ela.
No tempo presente. O apóstolo, corretamente, aplica ao período em que Cristo se revelou o que existira em todos os tempos, pois Deus manifestou publicamente em seu Filho o que anteriormente fora conhecido de forma obscura e em meio às sombras. Desta forma, a vinda de Cristo se deu no tempo do beneplácito divino e no dia da salvação [Is 49.8; 2Co 6.1,2]. Deus, em todas as épocas, havia dado provas de sua justiça; mas, ao nascer o Sol da Justiça, a mesma [justiça] despontou com maior resplendor. Portanto, observemos bem a comparação entre o Velho e o Novo Testamentos, porque a justiça de Deus só se revelou claramente no tempo em que Cristo apareceu.
Para ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus. Esta é uma definição daquela justiça que, como disse Paulo, foi revelada no tempo em que Cristo se manifestou, e que, segundo nos ensinou no primeiro capítulo, se fez conhecida no evangelho. Ele afirma que ela consiste de duas partes: a primeira consiste em que Deus é justo, não propriamente um entre muitos, mas o único que possui inerentemente toda a plenitude da justiça. Ele recebe o pleno e perfeito louvor que só a ele é devido, como o único que detém o nome e a honra de ser justo, ao mesmo tempo em que toda a raça humana se acha condenada por sua injustiça [inerente]. A segunda parte refere-se à comunicação da justiça, pois Deus de forma alguma oculta suas riquezas em seu Ser, senão que as derrama sobre todo o gênero humano. A justiça divina, pois, resplandece em nós na medida em que Deus nos justifica por meio da fé em Cristo, pois este haveria sido dado em vão, para nossa justiça, caso não o usufruíssemos, por meio da fé. Segue-se disso que todos os homens, inerentemente, são injustos e estão perdidos, até que o remédio celestial lhes seja oferecido.