terça-feira, 30 de junho de 2015

Romanos 11 e o futuro de Israel


Então, o que isso significa para o Israel nacional, os ramos que foram arrancados do verdadeiro Israel por causa da incredulidade? Será que Deus terminou com esse povo enquanto uma entidade pactual? A fim de responder essa questão, devemos nos voltar ao argumento de Paulo em Romanos 9-11.
Em Romanos 1-8, Paulo negou que os judeus tivessem sua salvação garantida com base em seus distintos privilégios enquanto judeus. A fé era a chave, não a etnia ou qualquer tipo de obras. Paulo argumentou que todos os que creem em Jesus são filhos de Abraão. Ele também argumentou que nenhuma das promessas de Deus falharia. Tudo isso levantaria sérias questões na mente dos seus leitores. O que dizer de Israel? O que fazer com as promessas que Deus lhe fez, à luz de sua rejeição do Messias? Será que a incredulidade de Israel anulou as promessas de Deus? Será que Israel foi deserdado? Será que o plano de Deus revelado ao longo do Antigo Testamento foi arruinado ou descartado? Paulo responde essas questões em Romanos 9-11.
Paulo começa Romanos 9 com um lamento por Israel – seus “compatriotas, segundo a carne” (v. 3). Ele então relembra todos os privilégios que ainda pertencem a Israel – incluindo a adoção, as alianças e as promessas (vv. 4-5). Nos versículos 6-29, Paulo defende a proposição que estabelece no versículo 6a, isto é, que a promessa de Deus não falhou. Nos versículos 6.13, ele explica que a eleição corporativa de Israel nunca significou a salvação de cada descendente biológico de Abraão: “nem todos os de Israel são, de fato, israelitas” (v. 6b). Nos versículos 14-23, Paulo expande isso, explicando que a salvação nunca foi um direito de nascimento baseado na descendência biológica. Ela sempre foi um dom baseado na eleição soberana de Deus.
Em Romanos 9.30-10.21, Paulo descreve a virada ocorrida na história redentiva, a saber, que, enquanto Israel tropeçou sobre Jesus, os gentios estão agora afluindo para o reino. É importante observar que, em Romanos 10.1, Paulo escreve: “Irmãos, a boa vontade do meu coração e a minha súplica a Deus a favor deles são para que sejam salvos”. Ele está falando sobre Israel. O próprio fato de Paulo ser capaz de continuar a orar pela salvação do Israel incrédulo indica que ele crê na possibilidade de salvação para os israelitas.
O que Paulo diz, então, levanta a grande pergunta, que ele agora apresenta: “Pergunto, pois: terá Deus, porventura, rejeitado o seu povo? De modo nenhum!” (11.1a). Esse é o tema básico do capítulo 11. Nos versículos 1-10, Paulo demonstra que Deus não rejeitou Israel ao distinguir entre o “remanescente” e os “endurecidos”. Desenvolvendo o que já havia dito em 9.6-13 e 9.27, Paulo indica que, assim como nos dias de Elias, também agora há um remanescente que crê (11.2-5). Em contraste com o remanescente, escolhido pela graça (v. 5), estão “os demais”, a nação de Israel como um todo, a qual foi “endurecida” (v. 7). Deus entorpeceu os sentidos espirituais de Israel (v. 8) e eles tropeçaram (vv. 9-10).
Paulo então pergunta: “Porventura, tropeçaram para que caíssem?” (11.11a). Qual a sua resposta? “De modo nenhum! Mas, pela sua transgressão, veio a salvação aos gentios, para pô-los em ciúmes” (11.11b). Qual é o significado presente do tropeço de Israel? Paulo explica que isso aconteceu como um meio para trazer uma multidão de gentios para o reino. O endurecimento de Israel está servindo ao propósito de Deus. A transgressão deles serviu como ocasião para a outorga da salvação aos gentios. Paulo afirma: “Ora, se a transgressãodeles redundou em riqueza para o mundo, e o seuabatimento, em riqueza para os gentios, quanto mais a sua plenitude!” (v. 12, ênfase minha).
Nos versículos 11-12, Paulo menciona três eventos: a transgressão (ou “fracasso”) de Israel, a salvação dos gentios e a plena inclusão de Israel. O primeiro deles conduz ao segundo e o segundo conduz ao terceiro. A transgressão de Israel, em outras palavras, iniciou um processo que, em última instância, conduzirá de volta à restauração de Israel. Esse é o primeiro de cinco lugares nessa curta passagem no qual Paulo explica o propósito e o futuro de Israel em termos de três estágios. Douglas Moo apresenta um útil sumário:
  • vv. 11-12: “transgressão de Israel” – “salvação para os gentios” – “sua plenitude”
  • v. 15: “sua rejeição” – “reconciliação ao mundo” – “seu restabelecimento”
  • vv. 17-23: “ramos naturais quebrados” – “ramos de oliveira brava enxertados” – “ramos naturais” enxertados de volta
  • vv. 25-26: “endurecimento a Israel” – “plenitude dos gentios” – “todo o Israel será salvo”
  • vv. 30-31: desobediência de Israel – misericórdia aos gentios – misericórdia a Israel
A repetida ocorrência desse processo de “três estágios” reforça a ideia de Paulo aguarda uma futura restauração de Israel. A condição presente de Israel é descrita como de “fracasso” e “rejeição”. Paulo caracteriza a futura condição de Israel em termos de “plenitude” e “restabelecimento”. Israel não está simultaneamente na condição de “fracasso” e “plenitude” nem de “rejeição” e “restabelecimento”. A “plenitude” se seguirá ao “fracasso”. O “restabelecimento” se seguirá à “rejeição”.
Paulo antecipa um problema em potencial nos versículos 13-24. Os crentes gentios, por haverem aprendido que eles eram agora o povo de Deus, poderiam facilmente se confundir e achar que isso era motivo para se vangloriarem contra os judeus. Nesses versículos, Paulo os adverte contra tal arrogância. Em 11.16-24, Paulo explica o desenvolvimento da história redentiva e o lugar de Israel nele por meio da analogia da oliveira que discutimos acima. Aqui, novamente, Paulo aponta para três estágios na história redentiva: “ramos naturais quebrados” – “ramos da oliveira brava enxertados” – “ramos naturais” enxertados de volta.
O ensino de Paulo nos versículos 25-27 tem estado no centro do debate a respeito da correta interpretação do capítulo 11. Paulo escreve no versículo 25: “Porque não quero, irmãos, que ignoreis este mistério (para que não sejais presumidos em vós mesmos): que veio endurecimento em parte a Israel, até que haja entrado a plenitude dos gentios”. Aqui Paulo ainda está falando diretamente aos gentios (ver v. 13). Ele deseja que eles compreendam um “mistério”. Nesse contexto, o mistério envolve a inversão das expectativas judaicas quanto à sequência dos eventos do final dos tempos. O “mistério” é que a restauração de Israel se segue à salvação dos gentios.
No versículo 26, Paulo continua a sentença iniciada no versículo 25: “E, assim, todo o Israel será salvo, como está escrito: Virá de Sião o Libertador e ele apartará de Jacó as impiedades”. O principal debate aqui diz respeito ao significado de “todo o Israel”. Charles Cranfield lista as quatro principais visões que têm sido propostas: (1) todos os eleitos, tanto judeus como gentios; (2) todos os eleitos da nação de Israel; (3) toda a nação de Israel, incluindo cada membro em particular; e (4) a nação de Israel como um todo, mas não necessariamente incluindo cada membro em particular. Uma vez que Paulo repetidamente rejeita a salvação de cada indivíduo israelita, nós podemos desconsiderar a opção (3).
João Calvino entendia “todo o Israel” no versículo 26 com o significado de todos os eleitos, tanto judeus como gentios. Paulo de fato usa essa linguagem em outros lugares de seus escritos. O problema em entender “todo o Israel” em 11.26 nesse sentido é o contexto. Ao longo dos versículos 11-25, Paulo consistentemente distinguiu judeus e gentios. Nós também precisamos nos lembrar de que a preocupação de Paulo nesses capítulos é com os seus compatriotas segundo a carne (9.1-5). A sua oração nesse contexto é pela salvação do Israel descrente (10.1). Em Romanos 11.26, Paulo está revelando que a oração de 10.1 será respondida uma vez que a plenitude dos gentios haja entrado.
Outros teólogos reformados, tais como O. Palmer Robertson e Herman Ridderbos, sustentaram que “todo o Israel” se refere a todos os eleitos da nação de Israel no decorrer da presente era. Assim como a visão que compreende “todo o Israel” como a igreja, há verdade nessa interpretação. Os judeus que estão sendo salvos na presente era não são, em nada, diferentes dos judeus que serão salvos no futuro. O problema dessa interpretação, como da anterior, é que ela conflita com o contexto imediato. Como John Murray observa, “apesar de ser verdade que todos os eleitos de Israel, o verdadeiro Israel, serão salvos, esta é uma verdade tão necessária e óbvia, que asseverar tal coisa aqui não teria qualquer relevância particular ao interesse central do apóstolo nesta seção da carta”.[1] Paulo não está angustiado com a salvação do remanescente. Eles já estão salvos. Ele está angustiado com o Israel descrente. É pela salvação desse “Israel” que ele ora (10.1) e é esse Israel o qual ele diz que será salvo no versículo 26.
A interpretação de “todo o Israel” que melhor encaixa no contexto imediato é aquela que compreende “todo o Israel” como a nação de Israel como um todo, mas sem necessariamente incluir cada membro individual do Israel étnico. Paulo consistentemente contrasta os gentios e Israel ao longo desse capítulo e continua a fazê-lo na primeira metade da sentença que estamos examinando (v. 25). Não há razão contextual para assumirmos que Paulo muda o sentido do termo Israel, aqui, no meio da frase. O “Israel” que será salvo (v. 26) é o “Israel” que foi em parte endurecido (v. 25). Esse Israel parcialmente endurecido é distinto dos gentios (v. 25) e é, também, distinto do atual remanescente de crentes judeus, os quais não foram endurecidos (v. 7).

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